O simbólico em tempos sombrios de pandemia: a retomada do vir a ser no espaço transicional
Resumo
O presente trabalho contempla reflexões teórico-clínicas sobre os impactos do uso excessivo da tecnologia durante a pandemia da COVID-19 no desenvolvimento infantil e as especificidades do atendimento psicoterápico psicanalítico com estas crianças. O objetivo principal desta pesquisa consiste em compreender as repercussões decorrentes da pandemia de COVID-19, mais especificamente, o isolamento social e o uso excessivo de tecnologias sobre o desenvolvimento do processo simbólico da criança, à luz da psicanálise winnicottiana. Para entender os impactos da pandemia do novo coronavírus sobre a constituição simbólica, adotou-se a teoria do amadurecimento pessoal de Winnicott que privilegia a presença do ambiente constante e facilitador para a constituição do vir a ser. Nota-se que o isolamento social levou as crianças, neste contexto pandêmico, a intensificação do uso de tecnologias, bem como resultou em novas configurações familiares centradas, exclusivamente, no distanciamento afetivo intrafamiliar, na sobrecarga de trabalho e no esgotamento físico e emocional parental, instaurando falhas ambientais relativas aos cuidados essenciais realizados à criança. Infere-se que o uso excessivo de tecnologia, a intensificação da virtualização e a fragilidade e instabilidade dos vínculos familiares concorreram para interrupções e distorções no processo de desenvolvimento simbólico. Diante destas repercussões sobre a criança, faz-se importante a oferta de condições suficientemente boas pelo psicoterapeuta, a fim de oportunizar o brincar criativo do paciente para a retomada, em enquadre transicional, do processo de amadurecimento emocional e a constituição do universo simbólico.